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Uma perspetiva critica...

Há uns anos traduzi e adaptei o texto em baixo. Retirei-o de um dos meu livros preferidos sobre teorias de aprendizagem. Espero que gostem dele tanto quanto eu.


A história da educação e dos cuidados na primeira infância é longa e fascinante. Diversos pensadores e escritores, incluindo anteriores ao século XVII, têm influenciado a forma como a educação de infância tem evoluído até aos tempos mais contemporâneos. Os estudos e teorias que foram desenvolvidos até ao século XIX foram o grande mote para a revolução educativa que aconteceu ao longo século XX. Exemplo disso foram os trabalhos de Froebel que, tal como Pestalozzi, acreditava que o amor, o trabalho e a interação social eram os pilares do desenvolvimento infantil. Também os estudos de Robert Owen, em New Lanark, foram reconhecidos como pioneiros por terem idealizado a primeira creche a surgir no século XIX. Owen e Froebel têm diferentes perspetivas e os seus trabalhos têm princípios diferentes, mas os ideais de ambos vieram influenciar grandes reestruturações ocorridas no século XX. O trabalho das irmãs McMillan, em Inglaterra, que se centrava nas crianças de comunidades socioeconómicas desfavorecidas, tem a mesma compaixão que o trabalho pioneiro de Owen. As teorias de aprendizagem têm origens e precedentes que vão fundamentar e ajudar novas teorias e ideias. Estas são modificadas de acordo com o contexto social, e este influencia visões populares, currículos e a pedagogia para infância. Não nos podemos esquecer que a infância é uma construção que provém das influências culturais, históricas e económicas, e que os educadores podem reconhecer a criança como um agente da sua própria aprendizagem ou como aquele que precisa de apoio, cuidado e ajuda. Retomando o valioso contributo de Froebel, enquanto estudo fundamental no desenvolvimento de novas teorias e ideias sobre o processo de aprendizagem, surge a metáfora do “jardim”, que é a chave do seu trabalho. Tal como no contexto de aprendizagem, o “jardim”, segundo o autor, é necessário para que a planta (criança) cresça. Se pensarmos na criança como uma flor em florescimento e com necessidades de cuidado, então a nossa abordagem será diferente se primeiramente pensarmos na educação como um “processo de vida, e não uma preparação para o futuro”. O mesmo parece estar na base das creches Reggio Emilia, onde a criança é um agente ativo e poderoso da sua própria aprendizagem, englobando as ideias de ouvir para a criança ou aprender a partir dela, ou seja, encarando o processo de aprendizagem como um meio particular de regar cada uma das flores a que Froebel se refere. Esta individualidade, bem como o papel da própria criança no seu processo de aprendizagem têm vindo a ser trabalhadas. No entanto, ainda que gostemos de falar de crianças ativas na sua aprendizagem, temos tendência para lhes diminuir os riscos ao ponto de a sua ação e de a atividade em si estarem grandemente limitadas. Da mesma forma, teorizamos sobre a importância da criança como indivíduo único, mas acabamos por tirar conclusões estereotipadas sobre as crianças, enquanto todo. Numa perspetiva histórica, as interpretações da infância (ou visões pré-sociológicas) incluem ideias de inocência e de demónio ou a criança com ou sem consciência. Importante é que estas visões e/ou interpretações levaram a outras que agora situam a infância num contexto cultural, reconhecendo o impacto que a sociedade tem na construção e moldagem da infância, assim como a função que a natureza e o cuidar têm no processo. Quanto aos currículos, sabemos que estes são adaptados culturalmente e que não devem ser transferidos diretamente de um ambiente para outro. Te Whãriki (na Nova Zelândia) apresenta uma poderosa metáfora para o currículo como um “tapete tecido” (de arraiolos, por exemplo), onde todas as pessoas podem estar e cruzar princípios e valores das culturas Mãori e Pãkeha. Este currículo é um exemplo do que pode ser criado através da negociação entre educadores e professores com diferentes perspetivas. O currículo também pode ser formado através da visão que os educadores têm sobre a criança e como isto pode construir currículos diferentes. A atual utilização da tecnologia é uma ilustração interessante de como podemos ter diferentes currículos. Por exemplo, nas escolas Waldorf, a tecnologia não está incluída no currículo, pois é considerada inapropriada para as etapas de desenvolvimento infantil. Em vez disso, são utilizadas “tecnologias mais antigas e/ou suaves” como moedores de milho, brocas e batedeiras. Por outro lado, temos Reggio Emilia, Te Whãriki e o HighScope que abraçam as novas tecnologias. Porque é que estas diferenças acontecem? Uma fação baseia-se no facto de existirem estudos que afirmam que é importante colocar as crianças aptas ao século XXI, agindo, no entanto, com precaução. Outra fação fundamenta as suas opções em estudos que afirmam que existe um grande impacto das tecnologias e que estas podem moldar o nosso cérebro e a nossa forma de aprender, condicionando a nossa forma de comunicar, nomeadamente nas relações de cara a cara e de interação, ou mesmo fisicamente e ao nosso pensamento. No entanto, a questão que se coloca é: quem é que escolhe o que aprendemos? No que é que se baseiam as decisões para incluir ou excluir o que se coloca no currículo? O brincar, por exemplo, é transversal à maioria dos currículos, mas aquilo que é entendido como “brincar” é diferente de visões para visões ou de teorias para teorias; dependendo das teorias/visões o brincar é diferente. Para Froebel, por exemplo, o brincar tem determinadas características e qualidades diferentes daquelas que são asseguradas e defendidas por Paley ou Montessori. Para Montessori, o trabalho e o brincar têm características comuns, ambos remetendo para tarefas práticas. Para Paley, o brincar é, também, encarado como trabalho, mas em que a imaginação (o brincar ao imaginário) é a parte crucial do seu trabalho com as crianças. O papel dos adultos é outro dos grandes fundamentos nas interpretações e currículos para a infância. Cuidar, dar carinho e amar são a base de todas estas abordagens, onde se reconhece a vulnerabilidade das crianças pequenas, a sua forma de aprender, pelo facto de serem únicos, ativos e curiosos. É, pois, consensual, que os adultos necessitam de ser e estar confiantes para conseguirem refletir e analisar todas as perspetivas. Fundamentarem a sua prática em teoria(s) ou outra(s) abordagem(ns) pedagógicas, dá-lhes força para utilizarem diferentes materiais, experimentarem diferentes atividades, para que possam observá-las com calma e compreender o que é que as crianças estão a fazer e porquê. O papel do adulto é diferente de adulto para adulto e varia com as suas preferências, valores e crenças. Para os educadores Waldorf, por exemplo, nos momentos de brincadeira, o adulto não deve interferir até ser necessário. Quando as crianças estão a brincar, os educadores podem estar, por exemplo, a costurar ou com outra atividade. Os adultos estão presentes e disponíveis, mas não se envolvem diretamente na brincadeira das crianças. Por outro lado, Paley defende um grande envolvimento do adulto no momento da brincadeira. Por exemplo, quando um grupo de crianças está a brincar a fingir que um furacão entrou pela sala e destruiu (desarrumou) tudo, o educador acalma as crianças e a brincadeira e diz que eles são agora da Guarda Nacional, que precisam de calçar as suas botas especiais e assim ficam prontos para limpar os estragos provocados pela tempestade, deixando a sala em ordem novamente. Para o HighScope, o papel do adulto está na organização do tempo e das atividades. O tempo está organizado para que a criança possa agir independentemente; nas Escolas na Floresta, uma grande variedade de rotinas é oferecida pelos adultos de forma a que o risco seja diminuído e a segurança seja mantida. Muitos destes comportamentos são subtis, mas são baseados na forma como o adulto vê a criança e o currículo. Cada educador modifica as teorias com as quais mais se identifica, através da sua própria interpretação, e opta pelo que é melhor para o grupo de crianças com quem trabalha. O papel dos pais e das suas carreiras é também um ponto importante. Para Froebel, o foco eram as mães, sendo bastante pioneiro para a sua época. Montessori focou-se em pais conturbados, com dificuldades, novamente com mais foco nas mães; a chave para o HighScope foi o elevado trabalho dos pais que existia no momento em que o programa foi introduzido; e para o currículo The Whãriki, o papel da comunidade e da família é essencial para o processo de aprendizagem da criança. A OCDE (in Thematic Review od Early Childhooh Education and Care) fez um levantamento dos pontos chave de grande parte dos currículos escolares do mundo e concluiu que todos se centram nos seguintes pontos: existe um currículo nacional para a infância, muito acreditam e defendem a utilização destas diretrizes, a maioria acredita nos princípios curriculares, nas suas aspirações e áreas de conhecimento, a maioria é dirigida para crianças entre os 3 e os 6 anos e existe um interesse cada vez maior para um currículo para crianças dos 0 aos 3 anos. Desenvolver currículo para a educação de infância envolve fazer decisões importantes e escolhas sobre o que é que as crianças vão aprender e como. Os currículos são diferentes entre si, com experiências e influências diferentes devido às diversas conceções que cada país tem sobre a infância. Pensemos em Reggio Emilia: este foi um currículo idealizado apenas por uma pessoa e tem seguidores por todo o mundo, educando desta forma milhares de crianças. Outra curiosidade acerca do mesmo é que não existe currículo escrito, a criança é vista como um currículo emergente onde a pré-escola tem uma abordagem mais individual para ensinar e para a criança aprender. Os projetos partem dos desejos da criança, das suas ideias, experiências e interesses e estes são a grande base de ensino-aprendizagem. Malaguzzi (fundador de Reggio Emilia) inspirou-se em Vigotsky, que defendia que a relação criança-adulto é a base do trabalho Reggio Emilia. Esta perspetiva mostra que o conhecimento é co-construído pela criança e pelo adulto, e que os dois vão encontrar o significado para as aprendizagens. Ouvir a criança é o essencial para esta relação de aprendizagem, sendo a comunicação um alicerce fundamental de Reggio Emilia. As teorias aqui apresentadas são a forma como nos compreendemos e vemos o mundo. A forma como nós, adultos, transformamos ou adaptamos uma teoria depende da forma como vemos as crianças, o currículo e a nossa prática. As teorias e as abordagens que escolhemos para nós, sejam elas formais ou informais, explícitas ou implícitas, influenciam a prática. É isto que faz com que a reflexão sobre a nossa prática seja tão importante e faz com que conduza a uma evolução do ensino e aprendizagem. Refletindo sobre estas teorias e abordagens, nós não precisamos de concordar com elas, mas o que nós temos que ser capazes de fazer é argumentar sobre um caso situação e/ou posição. Refletir sobre a prática é questionarmo-nos sobre o que fazemos, porque é que fazemos e na forma como fazemos, e os educadores, ao longo do seu dia, têm muito pouco tempo para refletir. Susan Isaacs e Froebel afirmaram que os educadores conhecem e compreendem muito bem as crianças com quem trabalham, que as suas observações são ricas em conhecimento e que vão ajudar a compreender a natureza do brincar e o papel do desenvolvimento físico e social, sendo este um conhecimento em ação. Investigações concluem que o conhecimento fica circunscrito aos educadores, que “não vem cá para fora”, que não é discutido exteriormente, e que a criação de “comunidades de prática” seria uma ótima forma de partilha, articulação de ideias, teorias e experiências; ou poderia ser uma forma de educadores partilharem o seu conhecimento e estudos, e, em conjunto, conseguirem articular ideias, projetos, experiências e práticas e, com isto, criar novas teorias e novas sugestões de currículo. (Miller, L. & Pound, L. (2011). Taking a critical perspective. In Linda Miller e Linda Pound, Theories and Approaches to Learning in the Early Years.London: Sage Publications. Tradução e adaptação: Vera Malhão)

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