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Uma breve história


As palavras em baixo foram publicadas em Agosto pela revista Smilling Stars, que dedicou esta edição ao contexto outdoor. Numa época em que nunca se falou tanto da importância do exterior, quero dar uma nova luz a este artigo que a mim me diz muito mas também realçar a importância deste tipo de revistas na divulgação de temáticas tão emergentes no mundo. Obrigada, mais uma vez, à Smiling Stars por me incluir nesta edição.


Artigo: Uma breve história


Tenho dado conta que, aparentemente, existe a ideia generalizada de que a necessidade do contato com a natureza é recente. Parece que, de repente, se descobriu um conjunto de benefícios associados ao contato com o mundo natural que não existiam anteriormente. A ideia de que atividades ao ar livre, a brincadeira livre e outras situações, são o auge das investigações do século XXI deixa-me um pouco apreensiva. Lamento desapontar os leitores ao dar-lhes a informação que o ensino outdoor, que nem sempre teve esta designação, tem umas centenas de anos e é tudo menos alternativo ou novidade.


Atualmente, nas redes sociais é (muito) comum surgirem artigos que mencionam os benefícios do contato com o exterior como novidade, no entanto já chegaram às mesmas conclusões Pestalozzi, Froebel, McMillan, Frohm, o Programa Forest School entre outros. Escrever sobre um modo de educar, com uma história longa e contextualizada, dando a falsa verdade que estamos agora a descobrir algo incrivelmente diferente, deixa-me triste. É como escrever sobre evolução das espécies e ignorar todo o trabalho e dedicação de Darwin e Lamarck. Claro que não precisamos de mencionar os grandes nomes sempre que escrevemos um artigo sobre a temática, mas escrever como se fosse a primeira vez que chegamos a determinadas conclusões é toda uma outra situação.

Dedico estas as minhas palavras a todos que tornaram este modo de ensinar-aprender e de estar, em algo tão atual no século XVII como no século XXI. Sou uma pessoa dada à história, ao descobrir as origens dos temas que me interessam, a história da educação outdoor é longa, mas mesmo assim quero-vos deixar esta breve viagem de como chegou até ao ano 2020.

Estas "novas" abordagens de aprendizagem não apareceram o nada, são o resultado de toda uma cultura e história. Esta corrente atual de que o ensino outdoor é emergente no currículo escolar, é o resultado de uma perspetiva histórica, fundamentada na observação, prática, dedicação e coragem. Há muito mais do que vos vou contar, mas estes são, para mim, os nomes que fazem mais sentido para contar este resumo do porquê do ensino outdoor.


Pestalozzi e Froebel (séc. XVIII) criaram sistemas e formas de ensinar fundamentadas no envolvimento da criança, criando experiências mais manuais e sensoriais. Ambos acreditavam que o amor, o trabalho e a interação social eram os pilares do desenvolvimento infantil. As crianças brincavam em jardins e faziam visitas de estudos, apesar de estar na natureza ainda não ser uma atividade regular na época.

Com o contributo de Froebel, enquanto estudo fundamental no desenvolvimento de novas teorias e ideias sobre o processo de aprendizagem, surge a metáfora do “jardim”, que é a chave do seu trabalho. Tal como no contexto de aprendizagem, o “jardim”, segundo o autor, é necessário para que a planta (criança) cresça. Se pensarmos na criança como uma flor em florescimento e com necessidades de cuidado, então a nossa abordagem será diferente se primeiramente pensarmos na educação como um “processo de vida, e não uma preparação para o futuro”.


A passagem para a escolarização em massa no Reino Unido, deu o poder ao governo de estar mais envolvido nas questões educativas. No início do século XX, com mais estudos em áreas como a sociologia e a psicologia, uma regulamentação mais forte na educação, com a aberturas de diferentes instituições escolares, foi a oportunidade para as irmãs McMillan fundirem a educação e os cuidados de saúde como necessidades básicas para as crianças e como um pré-requisito para uma vida adulta saudável. Para Margaret McMillan (início do séc.) o jardim passou a ser um fator importante para a reforma da pobreza, um espaço menos didático e mais centrado nas necessidades da comunidade. A natureza representada no jardim era a ordem face aos caos que se vivia. O jardim passou a ser uma pequena comunidade, onde cada grupo etário de crianças tinha o seu próprio abrigo e espaço no exterior. Este espaço tinha todo o equipamento necessário importante para o grupo, como conjuntos de degraus para as crianças poderem subir/escalar.


Frohm na Suécia na década de 50 desenvolveu o conceito das Skogsmulle que assenta na premissa de que se ajudarmos as crianças a gostar da natureza, naturalmente a vão começar a cuidar e nós só cuidados daquilo que amamos. As crianças iam à floresta uma vez por semana, durante três horas nas estações da primavera e outono. Frohm rapidamente se apercebeu de que as pessoas eram todas diferentes e, como tal, precisou de ferramentas diversificadas para passar a sua mensagem, assim criou diferentes histórias e músicas que utilizava ao longo das suas sessões.


A Forest School é uma abordagem escandinava para o ensino outdoor. Teve os seus primeiros passos no inicio dos anos 20, no Reino Unido como estratégia para ensinar aos mais novos conceitos sobre o mundo natural. É baseada no desejo de oferecer uma educação que aprecia o mundo natural e, através do fazer, encoraja uma atitude de responsabilidade perante a natureza, ao longo da vida. Aqui, as crianças estão envolvidas nas mais diversas atividades, desde utilizarem ferramentas para se expressarem artisticamente, brincarem livremente e criarem abrigos, é um local onde também aprendem sobre habitats, plantas e animais, a trabalhar em grupo e a partilhar. É uma pedagogia onde as crianças aprendem a fazer, a questionar, a estar envolvidos nas atividades e a resolver problemas.


Os exemplos mencionados viam a criança como parte da natureza e não separada dela, todas devem ser educadas tendo como base a igualdade. Atualmente, esta visão tem mais sentido que nunca, a igualdade na infância não é uma realidade e a destruição ambiental nunca foi tão evidente. O que eles nos ensinaram sobre as necessidades físicas, emocionais e intelectuais da criança no seu tempo estão igualmente atuais em pleno século XXI. O foco em educar tendo como base a qualidade, o carinho, o cuidado e o contato com a natureza, como pilares essenciais ao desenvolvimento da criança não devem ser ignoradas. Para todos, o ambiente natural era um local seguro, protegido, onde todos podiam crescer felizes. A natureza era vista como um local de cura, onde a doença era mais difícil de perpetuar.

É importante darmos uns passos para trás e "esquecermos" o que é dito sobre como estar com crianças e ter fé na nossa observação das crianças, compreendê-las e reconhecer as suas verdadeiras necessidades. Podemos valorizar mais o que o desenho de uma criança nos diz numa determinada situação se isso nos ajudar a conhecê-la melhor, do que insistir em ensinar-lhe a ler, a escrever e a contar. Antes de introduzirmos conceitos abstratos, podemos explorar os sons das palavras e os símbolos. Será que podemos deixar que a natureza tome lugar e nos ensine a ser mais gentis, a gostar e cuidar do que nos rodeia, da mesma forma que estes pioneiros o fizeram?


Como professora e mãe assusta-me esta geração enciclopédia, os génios que sabem ler aos 5 e contar até 100 aos 4, mas que depois têm dificuldades em brincar com os outros, socializar, maravilhar-se com o estar na rua e que não querem fazer nada. Se me cabe a mim desejar alguma coisa para o futuro, desejo que todas as crianças comecem a ter o que a minha e outras gerações tiveram, uma infância de joelhos sujos e esfolhados, de se recordarem num fechar de olhos sobre o encanto de subir à nespereira do vizinho, de chamar os amigos para um jogo da apanhada e de criar abrigos onde evidentemente, qualquer vento mais intenso levaria a casinha do Porquinho do meio.

Estar na natureza é ser capaz, estar no mundo natural é descobrir como ser feliz nas pequenas coisas, que só descobrimos a sua grandeza quando somos mais crescidos.




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