Perspectivas atuais sobre a ecologia das cidades. Que mudanças em educação?
Tenho pensado muito em sustentabilidade, cidade e educação. O ano de 2019 tem sido caracterizado como o ano do ambiente, da sustentabilidade, das crises climáticas e do impacto destes na educação.
Sabemos que o mundo atingiu uma população mundial de 7,7 mil milhões de habitantes e que cerca de 55% da população, segundo as Nações Unidas, vive em locais urbanos. Estamos a falar de mais de 3,8 mil milhões de pessoas, onde 38 milhões delas vivem na cidade de Tóquio. Este valor corresponde ao triplo da população portuguesa numa única cidade! Incrível não é?
Viver na cidade é sinónimo de qualidade de vida para uns, mais oportunidades para outros ou uma forma de viver tal como outra qualquer. Como menina do campo e da praia não me sinto a 100% em Lisboa porque preciso de mais sossego. Em Lisboa há sempre um murmurinho, mesmo à noite. Foi o viver em Lisboa que me levou a estas três palavras: sustentabilidade, educação e cidade. Sermos sustentáveis é conseguirmos viver com o que precisamos sem retirar recursos às gerações futuras. No entanto, os nossos recursos para 2019 terminaram em Maio, ou seja, já estamos a dever às novas gerações. Então, fazendo as contas temos, cada vez mais pessoas e estamos a esgotar os nossos recursos naturais muito rapidamente. O que precisamos? De educar.
Não venho discutir arquitectura ou o urbanismo das cidades, até porque não sou nada entendida no assunto, venho apenas potencializar as cidades de hoje como agentes de mudança. As cidades estão-se a transformar, são muitos os exemplos da idealização de cidades com mais natureza, que funcionam como dois organismos em simbiose, em que um protege e ajuda o outro. Jardins verticais e urbanos, hortas urbanas, parques florestais, edifícios sustentáveis, reutilização de águas residuais, mais transportes e menos carros, são exemplos do que se tem vindo a desenvolver e promover para melhorar a vida nas cidades. A biodiversidade também se está a adaptar, insectos como escaravelhos têm diminuído o seu tamanho, asas de andorinhas mais curtas, crânio de morcegos maiores devido à presença de luz ou dedos de lagartos maiores, são demonstrações do que a cidade altera a biodiversidade.
Existem programas internacionais como o da UNESCO, o Global Network of Learning Cities. As cidades de aprendizagem beneficiam da partilha de ideias com outras cidades, pois já existem soluções para problemas que surgem à medida que uma cidade de aprendizagem se desenvolve. A Rede apoia a concretização dos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em particular o objetivo 4 - Garantir uma educação de qualidade inclusiva e equitativa e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; e o objetivo 11 -Tornar cidades e comunidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis. Este programa aprimora a prática de aprendizagem ao longo da vida nas cidades do mundo, promovendo o diálogo sobre políticas e a aprendizagem entre cidades membros; aumentando parcerias; fornecer um maior desenvolvimento; e desenvolver instrumentos que incentivem e reconheçam o progresso alcançado na construção de cidades que aprendem.
O programa National Park City Foundation defende uma maior ligação entre pessoas e a natureza. As cidades são ricas em vida selvagem, onde todas as crianças e jovens beneficiam do explorar, brincar e aprender ao ar livre. Cidades em que todos desfrutamos de espaços verdes de alta qualidade, onde o ar é limpo para respirar, onde é um prazer nadar nos rios e onde todos podemos viver vidas mais harmoniosas, com as comunidades e com o planeta. Juntos, podemos tornar cidades lugares mais verdes, saudáveis, selvagens e justos para se viver. Quando pensamos nas paisagens da cidade o que vem à mente são locais industriais, casas, estradas e linhas de comboio ou metro. Mas, na realidade, estas podem ser uma tapeçaria rica entre verdes e azuis, composta por jardins, rios, parques, bosques, reservas naturais, canais, prados e lagos. Juntamente com nossos prédios, estas partes verdes e azuis das cidades podem ser tão valiosas, selvagens e diversas quanto grandes partes de nosso campo. Podem ser igualmente excelentes oportunidades de diversão ao ar livre e certamente são mais acessíveis a mais pessoas. São ativos cruciais para as pessoas e a vida selvagem. A vida urbana não vale menos que a vida rural. As raposas vermelhas urbanas são tão valiosas quanto as raposas do deserto e as pessoas, Homo sapiens, também merecem viver em habitats saudáveis.
Não há dúvida que a influência das cidades é cada vez maior. Ainda existe um longo percurso a percorrer para termos cidades sustentáveis, e nesse percurso precisamos de mudar atitudes e comportamentos. No entanto, biologicamente falando o ser humano não gosta muito de mudanças. Imaginem que numa semana a empresa que trabalham mudava de cidade, mesmo que fosse para uma já ali ao lado? Imaginem que o médico vos proibia de comer qualquer coisa que adoram? Mudar é difícil e precisamos de querer mudar.
Ser mais pró-ambiente é preciso querer, mas antes do querer é preciso gostar e para gostar é preciso viver com mais natureza.
É aqui que a educação tem um papel fundamental. Se tivermos mais programas escolares, municipais, privados ou comunitários que promovam iniciativas para este maior contato com a natureza tudo se torna mais fazível. Crianças que têm mais contato com a natureza serão adultos que gostarão de passar tempo ao ar livre e não só, serão adultos mais sensíveis às questões ambientais, mais ativos na qualidade de vida da sua comunidade e logo mais preocupados com o bem estar da população em geral. Ensinando a cuidar e demostrar porque precisamos de cuidar é um grande passo para começarmos a mudar de rumo.
As cidades têm diversos espaços verdes, uns maiores, ou mais pequenos, umas sem praia e outras onde só o que existe é praia, outras montanha, montado ou serra. Todos têm as suas particulares e todos têm inúmeras potencialidades. Dar a conhecer estas potencialidades com programas educativos de qualidade, com foco na realidade das pessoas que o visitam e mostrar-lhes porque vale a pena cuidar, é um grande objetivo.
Precisamos também de diminuir a distância entre cidadão e o cientista. A ciência ainda é vista de uma forma que não é acessível a todos, que nem todos a compreendem. A ciência não são só factos, a ciência é uma linguagem que tem evoluído ao longo de milhares de anos e onde a informação nunca esteve tão acessível como à distância de um clique. Precisamos que a ciência chegue a todos, que os cientistas cheguem à população e lhe contem o que fazem e porque fazem, com uma linguagem clara e directa, evolvendo e motivando todos os que o estão a escutar.
Na escola precisamos de mais rua. Precisamos de sair mais e viver mais. Cidades como Lisboa estão repletas de espaços verdes, pequenos jardins da junta de freguesia, matas, parques florestais, jardins urbanos ou parques da cidade. Nestes locais, alguns muito perto das escolas podem ser dinamizados para abrir a sala de aula até lá fora. Explorar as ciências em contexto real, ouvir uma história num jardim, fazer jogos matemáticos com recursos naturais ou explorar a nossa criatividade artística em pleno relvado, são algumas das oportunidades. Precisamos de ver de outra forma, as crianças e jovens de hoje em dia não são as mesmas que nos anos 80, elas estão repletas de estímulos, informação e velocidade, e a escola precisa de se adaptar, arranjar outras estratégias, de cativar as nossas futuras mentes brilhantes para verem mais longe, para serem mentalmente criticas e criativas, emocionalmente estáveis e determinadas e fisicamente aptas. Se lhes dermos espaço para pensar por eles, se os questionarmos, se os fizermos lutar pelo que acreditam, promovendo valores como respeito, solidariedade, verdade e justiça estamos a educar cidadãos do futuro mais conscientes.
Se é difícil? É. Se dá trabalho? Claro que dá! Eu bem o sei! Sei bem o que é remar contra a maré, sei bem o que é me dizerem que isto ou aquilo não funciona, sei bem o que é me dizerem que sou utópica ou mesmo totalmente louca! Sei disso tudo, mas também sei que é possível! Termos a capacidade de nos auto-avaliarmos, de irmos à procura do que nos deixa desconfortáveis e mesmo assim arriscar é o caminho para uma mudança no paradigma da educação. A educação transforma-se, não é estanque, evolui, cresce e adapta-se. Se não correu bem à primeira não há problema? Re-avaliamos a nossa prática, refazemos e recomeçamos. Tentamos outra vez e outra vez e outra vez. Quando depois a pouco e pouco começamos a ver transformações, quando vêm ter connosco com soluções ou questões que não estávamos à espera e quando os vemos felizes, sabemos que estamos a fazer o nosso melhor e o nosso melhor é sempre suficiente.
